A verdade não é igual ao litro

Posted on Abril 3, 2013. Filed under: Comportamento do Consumidor | Etiquetas:, , , , , , , |

Bombas gasolinaEm finais de 2012 a DECO apresentou um estudo sobre combustíveis (gasóleo) concluindo que as marcas representadas (Galp Gforce, Galp Hi-energy, Jumbo e Intermarché) eram, na sua essência, iguais em termos de consumo, em termos ambientais, em termos de protecção dos motores ou performance destes. O estudo, cujos contornos metodológicos são apresentados de forma clara e aberta, parece ter tudo para ultrapassar qualquer desconfiança de parcialidade. São vários os procedimentos em modo “teste cego”, e até os carros de teste foram comprados novos e guiados por profissionais, diminuindo a possibilidade de existência de variáveis estranhas ao estudo.

Como sai claro do estudo, a diferença entre marcas convencionais de gasóleo e as marcas low-cost é nula. Pior: as marcas Premium também não são melhores que as “low-cost”. Como disse o representante da DECO: “é tudo igual ao litro”.

Quando uma marca sustenta um preço Premium baseado em benefícios reais do produto, pode-se falar de uma vantagem que merece ser paga. Eu compro o produto X porque esse produto é superior. É o que a Galp nos diz. Mas a DECO deixa pouca margem para dúvidas: “A diferença de preços entre combustíveis resulta de uma acção enganosa e estamos perante uma prática comercial desleal”.

Há aqui uma conflituosidade irresolúvel:

  • Se a DECO tem razão, toda a informação prestada pelas marcas acerca dos seus combustíveis Premium é mentira, e os consumidores podem mover acções judiciais contra a empresa e serem indemnizados. Guardem as facturas e peçam-nas com número de contribuinte.
  • Se as marcas comprovarem o contrário, então toda a competência reconhecida à DECO nos seus estudos sai fragilizada, e a sua confiança será posta em causa pelos consumidores. Dado que está representada em vários países, as repercussões podem ser graves para a idoneidade deste organismo.

Não há volta a dar, alguém vai acabar mal.

Mas há mais danos colaterais que certamente surgirão, a começar pela entidade reguladora. A situação já é complexa pois associações de consumidores acusam as petrolíferas de concertação de preços. Chamado a intervir, o regulador não tem visto nada de mal. Mas aqui é diferente: se a DECO tiver razão, também o seu papel sai fragilizado pois, em primeira instância, quem deveria estar atento e conduzir estes testes de qualidade era o regulador, não a DECO. Tal como na Banca houve astúcia a mais de alguns, e controle a menos por parte de outros, também aqui a entidade reguladora pode ser acusada de não estar a fazer o seu papel. O que este país menos precisa é de um novo BPN a esgueirar-se à fiscalização. A actuação do regulador é neste momento crucial, para mais quando a DECO está a preparar um abaixo-assinado para que o estudo seja feito também com gasolinas. Este aspecto faz com que “esquecer o assunto” não seja uma opção – as partes terão de ir até às últimas consequências.

Outro alvo desta problemática são as restantes petrolíferas que apresentam combustíveis Premium. Também elas podem ser chamadas a esclarecer a sua posição e a divulgar os seus estudos.

A Galp contra-argumentou, em comunicado, lembrando que em veículos novos, os benefícios não são tão visíveis. Como a DECO comprou carros novos, seria normal que as diferenças de performance das marcas fossem menores, mas a verdade é que as vantagens anunciadas pela Galp não colocam de lado os automóveis novos. Qualquer consumidor parte do pressuposto que as vantagens são para todos os veículos, não apenas para os mais velhos, pelo que esse argumento revela-se fraco. Lê-se no site que o Gforce Diesel “é para todos os motores a gasóleo, dos mais convencionais até aos modernos turbo-diesel.”Imagem A verdade não é igual ao litro

Os estudos da Galp revelam dados muito atrativos para os consumidores:

  • em comparativos realizados em veículos com média de consumo de 8 litros / 100km, com 50 litros de combustível no depósito, o combustível Premium permitiu realizar até mais 52 kms face aos veículos com combustíveis convencionais.
  • Ao nível das emissões poluentes, o gasóleo Gforce permite reduções ao nível do monóxido de carbono (até menos 14%), menos emissão de partículas /hidrocarbonetos (até menos 24%) e diminuição de fumo negro até menos 93%.
  • Diminui os depósitos em injectores e válvulas até 26% e corrosão do motor até 75%.
  • Os combustíveis Gforce aumentam a potência do motor através da eliminação de impurezas e evitando que novas impurezas se acumulem.

Todavia, ao contrário da DECO, os estudos que comprovam estes dados não estão acessíveis, embora tenha havido esforço para os encontrar. No site pode ler-se que houve uma rigorosa investigação:

Desenvolvidos em colaboração com empresas especializadas na inovação em combustíveis, os produtos Galp Gforce foram testados nos mais conceituados laboratórios europeus, como o Institut Français du Pétrole, o ETS em França, o Prodrive no Reino Unido e o CLH em Espanha, para garantirem os mais elevados padrões de qualidade e performance.”

Com base nesta informação, fiz uma pesquisa nos sites destes laboratórios e continuei sem encontrar referências a qualquer estudo. Num dos casos (CLH em Espanha), a empresa que realizou os testes é participada em 5% pela própria Galp, o que não abona em favor da empresa ao nível da independência percebida.

Numa altura em que a idoneidade da Galp e outras petrolíferas está a ser posta em causa seria útil – ao olhar do consumidor – que estes estudos estivessem o mais visíveis possível. É toda uma indústria que está em causa.

Convém lembrar que a campanha de lançamento do Gforce 95 da Galp fazia menção à expressão “dois dedos de testa”, em que a gama Gforce seria a escolha natural dos consumidores “inteligentes e bem informados”. Segundo a DECO, escolher produtos Premium da Galp representa tudo menos inteligência e informação.

É um tema muito sensível. Ou estamos na presença de um dos maiores embustes da história, ou perante um tiro no pé da própria DECO. Aproximam-se tempos agitados.

http://www.franciscoteixeira.com

 

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